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Saúde mental em situações de riscos de desastres

Saúde mental em situações de riscos de desastres na América do Sul

A Doutora em Psicologia, Ionara Rabelo, ajuda-nos a entender como se articula a Saúde Mental na Gestão de Riscos de Desastres a partir de uma visão integradora face à estigmatização e a medicalização. De olho nas experiências sul-americanas.

*** Esse artigo foi publicado originalmente na revista Inspira2030 #4 ***

Muitas vezes, em uma situação de desastre, diversos grupos de ajuda humanitária internacionais se juntam às autoridades locais com a melhor das intenções e apoiados pelos planos tecnicamente impecáveis. Porém, se a coordenação e o fluxo de informações falharem, pode surgir um problema adicional.

Para a especialista Ionara Rabelo, existe um fator fundamental na problemática descrita acima: a voz dos próprios atingidos foi deixada de lado.  “As pesquisas revelam que, quanto mais as populações vulneráveis forem capacitadas para lidar com desastres, menor será o número de pessoas que desenvolvem algum tipo de transtorno”, afirma a Doutora em Psicologia, Coordenadora da Comissão de Psicologia de Emergências e Desastres do Conselho Federal de Psicologia do Brasil, voluntária no Médicos Sem Fronteiras e integrante da equipe da Secretaria de Saúde de Goiânia. 

“Mesmo depois do desastre, as pessoas que desenvolvem transtornos psicológicos, consideramos normal durante as primeiras horas ou meses e, logo após os primeiros 3 meses é que começamos a falar talvez de transtornos, caso esses sinais e sintomas não desapareçam e afetem a rotina dessas pessoas”. De acordo com Rabelo, o foco deveria estar nos aspectos psicossociais da saúde mental, como a proteção das famílias, a reintegração social, o suporte às vítimas e familiares, entre outros, que são o que mais atingem as pessoas.

Trata-se de um trabalho coletivo. “Essa abordagem é fundamental, também, para evitar a medicalização das vítimas. Muitas pessoas ficam ansiosas, alteradas, não conseguem dormir e, quando vão buscar ajuda nos centros de saúde, acabam sendo medicadas e isso não é recomendável. Se as equipes sabem como agir, podemos diminuir esse início de uso de remédios e reduzir também o estigma associado a esses sinais e sintomas, para que essas pessoas possam resgatar a sua saúde mental e não desenvolver transtornos psicológicos mais graves”, acrescentou.

A especialista pegou como exemplo uma experiência ocorrida em Belo Horizonte. Sendo uma das maiores áreas metropolitanas do Brasil, a cidade apresenta características não raras em seus homólogos sul-americanos, como um processo de ocupação desordenada e a ausência de políticas de planejamento urbano eficientes, além de particularidades geográficas que favorecem as enchentes.

Essa ameaça é responsável pela maior quantidade de eventos de desastres e pessoas atingidas na América do Sul e o Brasil concentra o número mais alto de casos registrados. Para mitigar os efeitos das enchentes em Belo Horizonte, Rabelo participou de uma iniciativa na qual as equipes técnicas profissionais trabalharam lado a lado com a população local para identificar rotas de evacuação, reconhecer a extensão real do desastre e recorrer à memória coletiva e ao esforço comunitário para alcançar objetivos comuns. Ela destaca as vantagens de não se ter iniciado um projeto de cima para baixo, verticalmente, sem contemplar as vozes dos atingidos:

“Essa estratégia de trabalhar a gestão do risco de desastre capacitou a comunidade, trazendo à pauta quais seriam as famílias mais vulneráveis que precisariam de um maior apoio, trabalhando aspectos sociais. Sem dúvida, uma experiência fantástica”. Após o terremoto de abril desse ano, Rabelo viajou para o Equador como voluntária do Médicos sem Fronteiras, onde a resposta ao desastre foi dada, no âmbito da Saúde Mental, baseando-se em uma rede pré-existente, vinculada ao Ministério da Saúde do país.

“Todas as organizações que chegaram ao Equador para colaborar com a resposta depois do terremoto se reportavam a essa rede para trabalhar em conjunto, capacitando e fortalecendo a rede, mostrando onde estavam as fragilidades e pedindo ao Ministério que articulasse melhor algumas políticas de resposta ao desastre”.

A experiência no Equador contrasta fortemente com o vivido no Haiti, onde, depois do terremoto, muitas organizações humanitárias dirigiram-se à ilha e deixaram evidente que muitas delas não tinham a preparação adequada. “Desde então – conta Rabelo – todos os profissionais que estão em uma situação de desastre em outro país devem reportar-se a um comitê para que esse valide que esse profissional está realmente qualificado para aquilo a que se propõe. Então, o cuidado inclui também voluntários”.

Apesar de reconhecer um progresso no que diz respeito à saúde mental em gestão de riscos e desastres, a especialista brasileira mostrou-se preocupada com a persistência de certos modelos importados que insistem na medicalização e nos conceitos de stress e ansiedade “quando, na realidade, percebemos que muitos dos transtornos de ansiedade ocorrem tanto pela situação de desastre quanto pela ineficiência do Estado ao propor estratégias para, por exemplo, construir casas ou, pelo menos, fornecer um abrigo seguro.”

A abordagem da Saúde Mental em situação de riscos e desastres implica, portanto, não só capacitar as comunidades e trabalhar em rede de maneira coordenada, mas também pressupõe, além disso, a necessidade de lutar no plano simbólico, que signifique erradicar o estigma da saúde mental na América Latina e evitar, sempre que possível, a medicalização, isso é, tratar com medicamentos o que deveria ser tratado através da assistência psicológica, tanto individualmente quanto coletivamente.
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